A ave rara está extinta na natureza e se prepara para ser apresentada à população em um viveiro especialmente construído
Clarice Maia e Klaus Roger
“O mais importante do Mutum voltar não é o Mutum. Porque quando o Mutum abrir suas asas, debaixo das suas asas está toda a avifauna alagoana. Se ele conseguir permanecer nas matas, sem ser molestado, obviamente todas as aves que estão abaixo da cadeia alimentar dele vão ficar protegidas”.
A explicação é dada por Pedro Nardelli, o criador de aves responsável pela existência da espécie. Isso porque, há 42 anos ele conseguiu capturar as três Mutuns-de-Alagoas, no município de Roteiro, que foram levadas para um criatório autorizado pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama).
Tendo sido dizimado pela caça indiscriminada e pelo forte impacto causado pelo desmatamento para a cultura da cana-de-açúcar, o animal foi extinto em ambiente natural e não é mais registrado na natureza há pelo menos 30 anos. Outrora ele habitava a Mata Atlântica, mais especificamente o litoral sul de Alagoas.
A reprodução em cativeiro e os estudos, com a colaboração de universidades, especialistas e organizações não governamentais, têm sido a causa fundamental da continuidade da espécie. Relata-se que existem hoje 230 animais em cativeiro.
Um dos principais responsáveis pela reprodução chama-se Roberto Azeredo, da Sociedade de Pesquisa da Fauna Silvestre (CRAX), de onde saiu o primeiro casal que habitará um viveiro construído especialmente para eles em Alagoas.
“O Mutum-de-Alagoas é símbolo de um trabalho muito maior, você protegendo o Mutum-de-Alagoas e o ecossistema dele, o habitat dele, você está preservando as outras espécies que vivem lá também. Então, se você não pode trabalhar com todas o carro chefe do trabalho está sendo o Mutum-de-Alagoas”, comentou Azeredo.
Reintrodução
O primeiro casal tem quatro anos de idade e chegou ao Estado no dia 19, mas será apresentado em um viveiro especialmente construído pelo Instituto para Preservação da Mata Atlântica (IPMA), em terras da Usina Utinga Leão, no município de Rio Largo, apenas na próxima sexta-feira (22), durante uma solenidade especialmente organizada com a participação do governador Renan Filho.
Essa é a primeira etapa para posterior reintrodução na natureza.“Nossa intenção é fazer com que os alagoanos conheçam essa ave que é autenticamente alagoana, só existia no nosso Estado. Em seis meses queremos levar mais três casais para fazer a reintrodução na natureza, comenta Fernando Pinto, coordenador do IPMA.
Toda a ação é coordenada e organizada, além do IPMA, pelo Instituto do Meio Ambiente do Estado de Alagoas (IMA/AL), Ministério Público Estadual (MPE), Batalhão de Polícia Ambiental (BPA), Secretaria de Estado do Meio Ambiente e dos Recursos Hídricos (Semarh), Sindicato do Açúcar e do Alcool (Sindaçucar) e Federação das Indústrias de Alagoas (FIEA).
O grupo é responsável pela construção do chamado Plano de Ação Estadual do Mutum-de-Alagoas.
“O Mutum foi escolhido como a ave tema do bicentenário por causa da importância do animal para o Estado. Trata-se de uma das aves mais raras do planeta e representa um esforço que mostra, para todo nós alagoanos, que é importante de ser feito e que colabora com a preservação da biodiversidade”, comenta Gustavo Lopes, diretor-presidente do IMA/AL.
O órgão estadual é responsável pela gestão da fauna silvestre e tem acompanhado de perto todo o processo, colaborando com a regularização e licenciamento do viveiro, manejo do animal e as ações de identificação e proteção das áreas onde poderão ser feitas, futuramente, as solturas na natureza, em um segundo momento do projeto.
“Agora, você só vai ter sucesso num projeto como esse se a população estiver sendo parceira desse trabalho. Porque não você através de um exemplo, de uma ave que estava simplesmente condenada a desaparecer, você mostrar que é possível reverter isso, é um exemplo de que muitas outras coisas podem ser feitas”, comenta Azeredo.
Educação Ambiental
O criador de aves e entusiasta das ações para a preservação da biodiversidade comenta ainda que “se você mostra todo o trabalho que foi feito pra chegar agora depois de 42 anos voltar eles para a natureza, você mostra que se não começarmos agora a trabalharmos com algumas espécies que estão em situação difícil certamente elas vão desaparecer e se começar hoje só daqui a algumas décadas é q teremos algum resultado. Então, porque não começar agora? Porque não pensar na biodiversidade?”, questiona.
O primeiro casal está sendo inserido em um viveiro de imersão, onde pequenos grupos, com até cinco pessoas, poderão observar cuidadosamente as aves. Isso porque “tem muita gente que nunca viu esse animais, nem sequer sabia da existência”, comenta Fernando Pinto.
Ele explica ainda que o Mutum-de-Alagoas é uma das duas aves no mundo que só existem em cativeiro, a outra é a ararinha azul. Também em todo o mundo, só existem duas espécies salvas a partir de um trio: o gavião que ocorre nas Ilhas Seychelles, na África, e o Mutum.
O viveiro está inserido em um centro de educação ambiental que leva o nome do Pedro Nardelli, em homenagem ao homem que foi o responsável pela continuidade na existência do animal.